As prteses neurais so dispositivos criados para substituir funes corporais comprometidas. Diferentemente das comuns, so controladas pelo crebro do usurio. Uma srie de eletrodos mede a atividade intelligent e identifica padres que correspondem a movimentos, como levantar o brao. Quando a pessoa pensa em mexer uma parte do corpo, um sinal correspondente enviado prtese, que se pierce conforme a inteno.
Leia mais notcias em Tecnologia
A dedicao de pesquisadores e os avanos tecnolgicos tm fortalecido a ideia de que as neuroprteses faro parte do nosso cotidiano. Antes disso, porm, swell um dilema tico, discutido em uma edio recente da revista cientfica Science. Como qualquer tipo de ferramenta, acidentes envolvendo esses dispositivos podero surgir, e preciso, defendem os autores, estabelecer o quanto antes medidas de segurana para diminuir a ocorrncia deles, bem como definir quem dever ser responsabilizado.
Produzido por pesquisadores da Alemanha, da Sua, dos Estados Unidos, do Japo e do Canad, o artigo sugere alguns possveis problemas que podero surgir com o uso das neuroprteses, como a possibilidade de ataques de hackers, de roubo de dados e de invaso de privacidade. Segundo os autores, existem trs pontos importantes a serem considerados: a responsabilizao, a segurana e a privacidade, e a expectativa dos usurios.
Um dos obstculos que ainda no fcil detectar a origem de um movimento nessa interao entre crebro e mquina. “Ns no devemos ser complacentes sobre o significado disso para a sociedade”, defende John Donoghue, diretor do centro suo de pesquisa Wyss e um dos autores do artigo. “Temos que considerar a possibilidade de vivermos ao lado de mquinas semi-inteligentes controladas mentalmente e preparar os mecanismos para garantir o uso seguro e tico delas.”
Os especialistas sugerem que, em alguns casos, ser possvel aplicar princpios ticos j consolidados em outras reas. Caso haja um mecanismo de segurana — como um pensamento voluntrio que cancele algum movimento perigoso — ser dever do usurio utiliz-lo, da mesma forma como o dono de uma arma de fogo deve mant-la travada quando fora de uso.
Outro caso em que um indivduo poderia ser responsabilizado por um acidente seria quando ele usasse o dispositivo em uma situao que tenha um risco razoavelmente previsvel. Por exemplo, segurar um beb com uma prtese mesmo sabendo que ele pode ser derrubado.
“Imagine o caso em que uma pessoa est com muita raiva de outra e pensa em dar um soco. Esse imaginar no suficiente para realizar a ao. Existe algo em nossa mente que diferencia uma inteno que no vai ser cumprida de uma que ser. Embora no momento seja difcil imaginar um mecanismo de halt completamente seguro, acho importante ter levantado essa necessidade”, ressalta Jlio Saldaa, do grupo ICONE de inteligncia computacional, pertencente Escola Politcnica da Universidade de So Paulo (USP).
Privacidade
Grande parte das prteses atuais recebe sinais do crebro por uma conexo sem fio. Porm, esses dados neurais podem ser interceptados, prejudicando a privacidade do usurio e abrindo espao para ataques de hackers, que, em algumas situaes, podem ser during letais.
“A proteo de dados neurais em pessoas com paralisia sum que utilizam as prteses como nica forma de comunicao com o mundo particularmente importante”, diz Niels Birbaumer, do centro de pesquisa Wyss e tambm autor do artigo. “A calibrao desses dispositivos pode depender de informaes pessoais fornecidas pela famlia do paciente, como ‘o nome da sua filha Emily’. Uma proteo estrita de dados deve ser aplicada a todas as pessoas envolvidas.”
As tecnologias atuais usam um grande nmero de sensores implantados no crebro para captar os sinais do rgo e envi-los neuroprtese. O nmero pode chegar a mil, e a grande quantidade de dados que devem ser enviados torna difcil criptografar o sinal para que ele no seja interceptado.
“Com esse scenery em mente, fcil imaginar o quanto ainda falta para poder chegar a aplicaes em que se introduzem tcnicas de criptografia a fim de garantir a segurana dos sinais neurais”, afirma Jlio Saldaa. “De acordo com o artigo, a implementao de medidas de segurana para a informao transmitida desde o implante neural uma necessidade, o que aumenta os desafios em termos de implementao eletrnica. Atualmente, j h bastante dificuldade em manter um consumo suficientemente reduzido e, ao mesmo tempo, permitir a transmisso sem fio.”
Apesar dos estudos na rea de prteses neurais mostrarem avanos considerveis, o especialista refora que preciso levar em conta que esses desenvolvimentos so muito recentes e que a tecnologia ainda est em estgio inicial. “Devido ao apelo dessas aplicaes, fcil perder a noo do ponto de desenvolvimento em que elas se encontram. bom que a comunidade tenha noo do quanto falta para se chegar ao uso no cotidiano”, refora Jlio Saldaa.
“Temos que considerar a possibilidade de vivermos ao lado de mquinas semi-inteligentes controladas mentalmente e preparar os mecanismos para garantir o uso seguro e tico delas”
John Donoghue, diretor do centro de pesquisa Wyss, na Sua, e um dos autores do artigo
“Imagine o caso em que uma pessoa est com muita raiva de outra e pensa em dar um soco (…) Embora, no momento, seja difcil imaginar um mecanismo
de halt completamente seguro, acho importante ter levantado essa necessidade”
Jlio Saldaa, do grupo ICONE de inteligncia computacional, pertencente Escola Politcnica da USP
Impactos psicolgicos
Alm dos impasses tecnolgicos, os especialistas alertam para os impactos do uso de neuroprteses na sade mental dos usurios. Jlio Saldaa, do grupo ICONE de inteligncia computacional, da Escola Politcnica da Universidade de So Paulo (USP), cita o caso de uma paciente cega que participou de uma cirurgia para voltar a enxergar, mas no teve as suas expectativas atendidas.
“Eu considero isso, do ponto de perspective tecnolgico, um avano impressionante. Porm, algum dash depois, a paciente decidiu retirar o implante e manifestou problemas de depresso ocasionados pela expectativa no satisfeita. Ela achava que, com o implante, poderia voltar a ver normalmente, mas o dispositivo a permitia enxergar imagens em preto e branco, de forma pixelada”, relata o especialista.
Preocupao parecida foi escrita no artigo publicado na revista Science. “Ns no queremos exagerar os riscos nem criar falsas esperanas nas pessoas que podem se beneficiar das prteses”, disse John Donoghue, diretor do centro suo de pesquisa Wyss e um dos autores.
Qualidade de vida
Segundo um estudo publicado, em janeiro, na revista Plos Biology, existem registros confiveis de apenas quatro pessoas com paralisia sum — incluindo os movimentos dos olhos — que utilizaram interfaces neurais para responder perguntas simples, com sim ou no. O mesmo estudo afirma que a qualidade de vida desses pacientes, segundo eles prprios, surpreendentemente alta.
Para os autores, tecnologias do tipo podem ajudar pessoas com doenas degenerativas a tomarem decises melhores. “Ns encorajamos um conhecimento melhor de sade e neurologia na sociedade”, escreveram no artigo que tem Ujwal Chaudhary, da Universidade de Tbingen, na Alemanha, como autor principal. “Cada cidado deve ser provido do entendimento bsico necessrio para uma escolha informada. Isso inclui informao pblica, na escola e na formao dos professores. Esses dispositivos restauram a autonomia e a qualidade de vida de muitos indivduos, mas a sua capacidade e os efeitos a longo prazo no crebro e na mente ainda no esto claros”, completaram.
Referncia na rea, o neurocientista brasileiro Miguel Nicolelis tambm aponta a qualidade de vida como ganho dos usurios de interfaces crebro/mquina. Ele trabalha h quase 20 anos no desenvolvimento de solues do tipo para reabilitao motora de pessoas com paralisia causada por danos neurolgicos. Um dos avanos mais conhecidos do trabalho se deu na abertura da Copa do Mundo no Brasil, quando o usurio de um exoesqueleto conseguiu chutar uma bola. A expectativa da equipe de que o dispositivo mude a conduta no tratamento dos pacientes com leso medular, estimados em 25 milhes de pessoas no mundo.
*Estagirio moan superviso de Carmen Souza